(terra do interior abandonado)
POR TERRAS DO MARQUÊS VELHO
Eram outros tempos. A vida não era fácil para a maioria das pessoas que viviam e
trabalhavam nas aldeias do interior do país.
Os ordenados eram pequenos e o horário era " de sol a sol".
Mas mesmo assim, nem sempre havia trabalho para toda a população.
Por isso, era quase com um misto de agradecimento e raiva que se aceitava aquela situação de ter que se trabalhar muito para se ganhar pouco. E não se pense que os únicos culpados eram os proprietários da quase totalidade dos prédios rústicos que havia nas redondezas daquela povoação do interior quase fronteira do centro norte deste nosso Portugal.
Na verdade, eles eram na maior parte dos casos, a parte menos visível. Havia por exemplo um, que era o maior empregador e que apenas visitava a aldeia, em regra, uma a duas vezes por ano.
Era mesmo o protector de algumas famílias que, não fosse a ajuda e protecção que o mesmo lhes dava, teriam certamente uma existência bastante difícil, se não impossível. Recordo pelo menos cinco desses agregados familiares.
Tratavam-se de famílias em que o "cabeça" de casal, o homem, era deficiente físico e que por isso sem a compreensão deste abastado latifundiário a subsistência do agregado familiar seria impossível.
Mas tinha a representá-lo e a dirigir os destinos daquele "império rural", um feitor nada afável para com aquelas gentes;- homens, mulheres e jovens de ambos os sexos que ali "enterravam" as suas vidas e os seus sonhos, trabalhando sem vislumbrar horizontes.
Este, para o coadjuvar escolhia "a dedo"alguns capatazes, a maioria dos quais não pelas suas capacidades humanas e de trabalho mas sim pela rudeza e intransigência com que tratavam os seus conterrâneos.
Eram pessoas sem cultura e grande parte deles ou eram analfabetos ou quase.
É verdade que havia alguns que tinham habilitações literárias e conhecimentos de cultura geral que até se podiam considerar demasiados para o meio e, talvez por isso mesmo, nunca eram escolhidos para lugares de chefia.
Gente boa, com alguns conhecimentos literários, culta e boa de sentimentos não tinha cabimento em cargos onde estas qualidades representavam o oposto do desejado.
Um desses, que eu bem conhecia, dava pelo nome de António Afonso, o qual, pelos ensinamentos literários que transmitiu a diversos conterrâneos, ajudando-os a sair do analfabetismo, foi mesmo a podado por alguns amigos e conterrâneos e inclusive pelas Autoridades Escolares do concelho a que pertencia, como "Professor do Castelo", em homenagem à rua onde nasceu e viveu até se casar.
Hoje, passado mais de meio-século, tudo é diferente; felizmente para melhor.
Dos que sofreram estas agruras e dificuldades, a maioria já não se encontra entre nós e para os seus descendentes, de jovens que eram na altura, de pouco se recordam e tudo fazem para esquecer. Uma grande parte encontrou na imigração a solução para melhorar as condições de vida, tendo por isso saído do país. Os restantes, quase a totalidade, procurou nas cidades uma melhoria das condições de vida que a terra natal lhes não podia propiciar. É todavia de louvar o entusiasmo com que alguns destes, enfrentado as imensas dificuldades que lhes vão surgindo para, honrando a memória dos seus antepassados, continuarem a manter vivas a maior parte das tradições ancestrais daquela terra do interior, fundada há mais de 800 anos, que já foi Vila e que hoje, mercê dos tempos que correm e das erradas políticas que vêm sendo seguidas pelos últimos governos, está a ficar quase deserta.
PROENÇA-A-VELHA, pois é a essa terra beirã que me venho referindo, é bem o espelho do Portugal-interior-abandonado.
Contudo, o ocaso desta terra e o abandono das suas gentes resistentes, não é, infelizmente, caso raro neste país. Larguíssimas centenas de terras do interior sofreram e continuam a sofrer este insultuoso abandono que, só não é total porque, como atrás referi, alguns resistentes vão lutando para que tal não aconteça.
Mas, eu deixo uma simples pergunta:- A continuar este abandono do interior de Portugal, o que será Proença-a-Velha daqui a vinte-trinta anos? Será que ainda existe?
E se ainda existir, qual será a "vida" que nela se desenvolverá?
Ainda existirá o "Madeiro"?, o Natal?, a Missa do Galo?, a Páscoa?, a Senhora da Granja?, a Senhora da Silva?, a Semana Santa?, o Senhor do Calvário?
Queria dizer que sim, mas, por este andar, que me desculpem os que conhecem a região onde Proença-a-Velha se insere, eu não acredito que algo do que refiro exista.
FAfonso