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Proença-a-Velha
UMA VIAGEM AO PASSADO
Quem como eu esteve largos anos sem visitar Proença, ao deslocar-se agora, tem um verdadeiro choque, motivado pelas alterações de toda a ordem que entretanto se operaram.
E, se por um lado todos os proencenses se podem e devem orgulhar pelas alterações que se foram dando, acompanhando desta forma o desenvolvimento global, também não deixa de ser verdade que, para quem esteve ausente e que ali tenha passado sua juventude, recebe um autêntico choque ao lembrar a “vida que Proença tinha”, comparando-a com a que hoje existe.
Será caso para se dizer: “naquele tempo” a missa aos domingos enchia sempre a igreja; no Carnaval, aos domingos haviam seis e sete bailes todas as noites. Estes bailes obedeciam ao escalão etário.
No “dia de entrudo” as raparigas pertencentes a cada grupo, juntavam-se na casa de uma elas e os rapazes do mesmo grupo etário acercavam-se dessa casa e ali, “equipados” com laranjas, mais ou menos impróprias para consumo e com farinha e outros pós corantes tentavam alcançá-las para as “enfarinhar”.
Na quaresma, os actos religiosos, mesmo efectuados em dia de semana, como era e é estipulado pelo calendário litúrgico e embora se estivesse numa terra onde o trabalho rural era o sustendo da quase totalidade da sua população, logo uma actividade pesada, nem por isso deixavam de ter a maioria da população a acompanhá-los.
A festa da Senhora da Granja era motivo para uma romaria onde a população proencense na sua quase totalidade se fazia representar.
Uns iam em carroças, outros em carros de bois, outro ainda montados em burros e, a grande maioria seguia a pé.
Nos campos além dos trabalhos habituais, destacavam-se as “terceiras”, grupo composto por raparigas na casa dos vinte anos e cujo trabalho era essencialmente tratar do milho logo pouco tempo após este germinar, até à sua “descamisa” e “debulha” na eira.«O nome “terceiras” advinha do facto de uma terça parte da colheita reverter para as moças que faziam todo este trabalho».
Havia também um outro grupo, este designado de “quinteiros”, cuja actividade era a ceifa do trigo e centeio e a posterior “debulha” na eira. A estes juntavam-se as esposas logo pela manhã, com as refeições para todo o dia, as quais tomavam também parte na jornada de trabalho, ceifando até à tardinha, altura em que regressavam a suas casas para preparar as refeições para o dia seguinte. Esta canseira repetia-se diárimente até ao términus da ceifa. «Aqui a designação devia-se ao facto de um quinto da colheita ser destinada aos “quinteiros”».
Estes grupos, tanto o primeiro como o segundo, isto é, tanto as “terceiras” como os “quinteiros” existiam com regularidade na “Casa Marquesa” que era de longe a grande empregadora da população de Proença.
Vinha depois o Inverno, e com ele a apanha da azeitona e aqui era de facto a altura em que mais gente se via nos campos.
Toda a população activa, com raras excepções, aproveitava a colheita da azeitona para ganhar algum dinheiro.
Acontecia -infelizmente já não acontece-, que Proença-a-Velha era um grande produtor de azeite. Aliás, além de, se não me engano, haver três lagares no interior da povoação, em plena laboração nesta época, existia um quarto, nos arredores da “Quinta do Marquês” propriedade da “Casa Marquesa” que, segundo informações seria dos mais avançados em tecnologia que nesta época havia em Portugal. Este lagar laborava com turnos ininterruptamente, durante meses, recebendo a azeitona de Monsanto, da Idanha-a-Nova e, claro está, de Proença.
Todo este “império” era pertença e explorado pelo Marquês da Graciosa.
Aqui ocorre-me perguntar: - Os seus descendentes não têm vergonha do abandono e desleixo a que deixaram chegar tudo isto-?
As margens da ribeira e de quase todos os ribeiros eram ladeadas por lindas hortas, onde se produziam todo o tipo de legumes e de frutos.
Eram autênticas quintinhas que proliferavam em todos os locais onde, se não haviam ribeiros, abriam-se poços.
De tudo isto hoje existem apenas pequenos resquícios, como que a quererem lembrar-nos dos tempos passados e das gentes trabalhadoras que ali viveram.
O abandono a que os sucessivos governos têm votado o interior de Portugal, não criando infraestruturas que ajudassem a fixar as populações, tem dado e continua a dar origem à fuga para as cidades do litoral, não se vislumbrando o mais pequeno gesto que possa levar a pensar numa inversão de tão errada política que, a continuar, irá dentro de uma década, no máximo duas, ao despovoamento e abandono de grande parte das terras do interior raiano.
Mesmo correndo o risco de poder ser mal interpretado por algumas pessoas, devo dizer com sinceridade, que tenho muitas saudades desta Proença que eu conheci, na qual nasci, me criei e trabalhei durante alguns anos
Era pois esta a Proença que eu conheci e da qual hoje quase nada existe.
FAfonso