Caminhando
ANGUSTIA E DOR
Havia muito tempo que a notícia me tinha sido dada.
Contudo, a esperança de que apenas as boas perdurassem, levou-me a acalentar a esperança de ter podido haver engano.
Todavia algum tempo após, eis que chega a confirmação.
A tal, aquela em que não queria creditar mas que no íntimo sabia real, estava certa.
Com ansiedade e esperança aguardei a data que me tinha sido dada pelo especialista.
Esse dia chegou.
Mas antes dele já havia chegado ao fundo do meu ser, a tristeza, o desânimo que tentava esconder dos que me estavam mais próximos e o receio do que o futuro me poderia reservar.
Para me fazerem companhia, de noite e de dia, levei para a minha "mesa de cabeceira", duas imagens que representam Cristo e Fátima.
Com Elas conversei todos os dias e a Elas exponha os meus receios, as minhas dúvidas e os meus anseios, sempre na esperança de que não me abandonassem.
Juntos e com a minha esposa, caminhamos em direcção àquele edifício.
Este, visto de fora e à distância é um edifício normal. A localização e tudo o que o circunda, lembra que estamos dentro de uma grande cidade.
A envolvê-lo há de tudo: prédios de apartamentos, bancos, laboratórios, restaurantes e, como seu ex-libris, o "Mercado da Praça de Espanha".
O "problema" está no seu interior. Largos corredores, muitas portas e amplas salas com muitos cortinados-separadores.
Dentro destas salas, os dramas desenrolam-se com maior ou menor intensidade. Vêem-se pessoas idosas, pessoas menos idosas e vem o drama mais pungente que o nosso imaginário pode conceber:
Criancinhas e mesmo bebés atingidos por igual pelo "Horrendo" que sobre eles cai.
"DEUS, ONDE ESTÁS QUE NÃO OS SOCORRES!?"
Ao fundo do corredor, quando a porta se abriu,
O meu velho e cansado coração quase se partiu.
Ali, perscrutando o infinito, todos sentem pavor.
Lá estavam os componentes que ajudam a suavizar a dor
Um colchão revestido de algo para mais durar,
Uma almofada macia para não magoar,
Um cadeirão para o corpo repousar
E uma pequena mesa para sobre ela maditar.
Meu Deus, se eu partir lembra-te de mim.
Foi este o meu último pensamento quando vim.
Por isso, velho, doente e cansado te peço:
Dá-me a tua protecção, se achares que eu mereço
Depois....a seguir o que virá?
Bem....,logo,....mais logo se saberá.
Está tudo pronto e preparado.
Brevemente iremos descer p'ra outro lado
Ali, trabalham muitas pessoas.
Ali, tentam sobreviver umas, sofrem outras e, destas, depois de muito sofrer, umas regressam ao convívio com os seus ente-queridos e outras ao convívio com Deus, para o "Eterno Descanso". Quadros que a nossa memória jamais poderá esquecer são nos projectados a cada momento, com todo o realismo imaginável: -
Jovem com dez ou doze anos amparando a sua mãe, caminhando pelo corredor comprido. A mãe, vestida com pijama e roupão branco, sem cabelo, com ar doloroso e meigo, como que tentando fazer acreditar aquela a quem deu o ser, que tudo vai bem, que tudo vai acabar bem. A jovem, na sua ingenuidade, como que acreditando que tudo o que a mamã lhe diz, é real e verdadeiro, retribui com um sorriso doce e compassivo, ao mesmo tempo que ambas mutuamente se acariciam ternamente.
Mais além e mais abaixo, ao nível do chão, um pequeno "parque infantil", com baloiços e escorregas.
Pequeninos com pouco mais de dois anos, "carequinhas involuntários", brincam, juntando aos seus sorrisos toda a ingenuidade que só elas podem transpor para o mundo irreal que estão vivendo.
Ao seu lado as mamãs e os papás que, certamente com tanto amor e ansiedade aguardaram o seu nascimento e que agora, com o mesmo amor reforçado, lutam com as suas "crenças" e Fé, para que os seus meninos sejam poupados ao Horrendo que os quer levar tão cedo do seu convivio.
E AS CRIANÇAS SENHOR!
PORQUE LHES DÁS TANTA DOR?
PORQUE PADECEM ASSIM?
ONDE ESTÁS JESUS QUE TE NÃO VEJO!?
E ao meu lado, na mesma sala, quantos dramas? Quantos desenganos? Uns tentam enganar os amigos e familiares que os visitam; outros tentam enganar-se a eles próprios.
Mesmo junto a mim, o meu "vizinho", tem oitenta anos e não está nada bem.
Contudo, a grande preocupação dele é acima de tudo a esposa que deixou em casa, em Porto Brandão.
Acontece que este meu novo amigo e companheiro de infortúnio, além de não ter filhos, da pouca família que tem, estes, na quase totalidade, fogem da velhice e dos trabalhos que em regra esta com ela transporta.
Para complicar mais todo este drama, "a velha companheira" sofre com a doença de Alzaimer o que a inibe não só de o visitar, como de olhar por ela própria.
Quanto a mim:
-Bem sei que era um homem quem me iria tentar "ajudar".
Mas sabia também que esse homem podia ou não ser "ajudado" por "Alguém".
E, felizmente para mim que não passo de um simples mortal, esse "Alguém" ajudou.
Por isso para sempre bendirei:
"OBRIGADO MEU DEUS POR TUDO O QUE ME TENS DADO, SEMPRE E EM ESPECIAL NOS MAIS DIFÍCEIS MOMENTOS DA MINHA VIDA".
Sim, porque esta não foi a primeira vez.
Outras já vivi em que precisei de muita "ajuda" e "protecção".
Nunca me esquecerei que fiz oito anos de guerra e que ao meu lado alguns companheiros "caíram".
Mas, nessa atura era um jovem e hoje tudo é diferente.
Os anos vão passando
As marcas vão ficando
E tu doença horrendo
O meu tronco vais minando
Para já, tudo ficou adiado.
Não sei por quanto tempo, mas o que realmente interessa é que estou aqui e que me vou sentindo bem.
Revi em casa todos os meus familiares mas, de entre estes, à parte a minha querida esposa, filho e nora, beijei e abracei os meus netinhos que muito amo e para sempre guardarei no fundo do meu coração as suas carícias e os seus sorrisos amorosos. Junto deles sinto-me bem.
OBRIGADO MEU DEUS POR TUDO O QUE ME TENS DADO GUARDA-ME HOJE, AGORA E SEMPRE
OBRIGADO
PARA SEMPRE.
FAfonso