PROENÇA-A-VELHA
Evolução Histórica e Administrativa Até 1218 pertenceu a Idanha-a-Velha, a antiga Egitânia. 1218 - Em Abril de 1218 recebe foral de D. Pedro Alvites, mestre da Ordem do Templo, em carta concedida com beneplácito de D. Afonso II e D. Urraca.
21
Nov 08

 

 

É UM DEVER RESGATAR OS QUE FICARAM

                   Eles deram tudo por Portug

r.br.youtube.com/watch   

 

 

 *MEMÓRIAS de GUERRA*

 

 Eram cerca de 11h30 de um dia nebuloso como era vulgar no Norte de Angola. De repente, o "clarim" entoou as suas notas estridentes, qual sinal de alarme, a convidar-nos para a "formatura geral".

Uns estavam na "camarata", outros no cubículo a que chamávamos "sala de convívio" e outros ainda sentados nos respectivos beliches dando notícias às famílias, às namoradas, às "madrinhas de guerra" ou a algum amigo com o qual mantivessem relação de amizade mais profunda.

Todas estas notícias eram dadas invariavelmente através dos bem conhecidos "bate estradas" que nos eram fornecidos gratuitamente pelo Comando da Unidade.

No seu camuflado sempre impecável, o Capitão Moutinho, com um certo rubor nas faces, com ar preocupado e um tanto tímido, preparou-se para se dirigir à companhia. No seu íntimo, ele procurava a forma mais simples e normal de dar uma notícia que, sabia de antemão, todos esperavam mas ninguém desejava ouvir.

O que acabou por fazer, embora se notasse algum constrangimento na sua voz, dizendo: pessoal, logo à noitinha, vamos ter mais uma saída. Vamos à SERRA DO UÍGE e nada de ir lá para fora comentar.

A "coisa" dita daquela forma, até poderia parecer que se tratava de "mais uma passeata.

Mas não era. Nós já conhecíamos aquele "mais uma passeata". Tratava-se de mais uma "operação militar", em busca da banditagem que, normalmente pela calada da noite atacava as Fazendas de café que existiam nas encostas e no interior daquela serra, assassinando os trabalhadores das mesmas, na sua esmagadora maioria composta por negros oriundos da zona do Huambo . Os "Bailundos".

Todos na parada compreenderam a informação e pedido do Capitão Moutinho e todos se comprometeram a nada divulgar,para que  a população nada soubesse.

 Começou o habitual aprontar do respectivo armamento e munições, viaturas rádio, nas quais se colocaram os respectivos AN GRC 9 que iriam servir de Posto Fixo durante o desenrolar da Operação.

A minha especialidade era "transmissões" e por isso tanto eu como os meus camaradas da especialidade, tudo fazíamos para que nada falhasse durante a Operação.

Depois de "sintonizarmos" os AN GRC 9 com o comando do Batalhão e das companhias que o compunham, tínhamos também de "sintonizar" estes aparelhos com os PRC 10 que iriam acompanhar ao vivo o desenrolar da Operação, transportados às costas pelo Operador que por escala fosse designado e com os quais também comunicávamos com a aviação de apoio.

Desta vez, como em tantas outras, fui eu o Operador de serviço à Operação.

A coluna militar saiu e, sem espanto nosso, mesmo com o pedido do Capitão Moutinho, lá estavam às janelas e varandas, grande parte da população daquela cidade do Norte a desejar-nos sorte, acenando e fazendo "adeus", desejando "que tudo corresse bem"e, mais uma vez a recomendação do Capitão Moutinho não resultou. 

Era um apoio quase invisível naquela guerra mas, para nós, militares, tinha um peso e uma força cujas dimensões não é fácil explicar por palavras.

Aquilo ficava gravado no nosso íntimo como um sinal de apreço e reconhecimento pelo nosso esforço e risco no desenvolvimento da nossa actividade militar.

A minha companhia estava sediada na cidade de CARMONA, capital da Distrito do UÍGE e aquartelada numas antigas oficinas. Pertencíamos à 1ª. Companhia do Batalhão de Caçadores nº.3 -BC 3 . Estávamos no ano de 1963.

Naquele noite o firmamento estava repleto de nuvens escuras, prenunciando que a qualquer momento podia vir uma chuvada daquelas que com o seu rebombar de trovões e o seu espectáculo de raios e faíscas, faziam qualquer mortal ficar sempre de sentinela.

A coluna militar desta vez seguiu pela estrada do SONGO e, muito antes de atingirmos esta vila penetramos no "mato" por uma "picada" onde os Unimogues que nos transportavam nos deixaram.

Prosseguimos a pé rodeando o Morro do Quimalaio, onde, no cimo do mesmo se encontrava aquartelado um pequeno destacamento de Voluntários, pertencentes à OPVDCA – Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Angola,

onde na altura prestava serviço um grande e destemido português, conhecido inclusivamente nas emissões de Rádio Moscovo e Rádio Brazavile e que toda a Angola conhecia pelo "Carvalho das Barbas".

Seguimos pela mata dentro e a chuva, quando começávamos a subir o terceiro ou quarto morro, apareceu em força.

Estava um escuro de cortar à faca mas, embora a chuva nos servisse de protecção contra os ruídos, a verdade é que ela, juntamente com a escuridão era um problema de difícil ultrapassagem. Só os clarões produzidos pelos relâmpagos nos iam permitindo ver a bússola para nos orientamos e para nos mantermos unidos. Até porque havia o risco de ao menor descuido alguém se perder ou cairmos numa armadilha. Tínhamos de nos deslocar sem "conversa" e sempre tocando ou apalpando quem seguia à nossa frente. Porém a chuva aumentou de intensidade e o Capitão Moutinho, com o qual eu seguia com o velho rádio PRC 10, deu ordem de paragem informando que passaríamos ali o resto da noite.

A chuva não parava. Pelo contrário aumentava e a trovoada e os respectivos relâmpagos acompanhavam este aumento de intensidade. Devido à topologia do terreno e à escuridão tínhamos de seguir em "fila indiana" o que originava uma coluna militar tremendamente longa, que por tal facto fez com que a ordem de paragem demorasse o seu tempo a chegar ao fim da coluna.

Todos nos tentávamos proteger da melhor maneira, utilizando para tal uma capa plástica camuflada que havia algum tempo nos tinha sido distribuída. Porém, nada detinha aquela chuva que aos poucos nos ia penetrando até aos ossos como em gíria se costuma dizer.

Eu, pela minha parte e pela experiência, -era dos mais "velhos" da unidade-, guiado pela luminosidade dos relâmpagos, procurei uma grande e velha árvore que, para sorte minha tinha uma parte central do tronco apodrecido. Comecei então a escavá-lo com a minha faca de mato e verifiquei que a parte central do tronco não só estava apodrecido como era grande e ainda que estava oco no seu interior.

Para minimizar a torrente de água que vinha pela serra abaixo, nas laterais do velho tronco fui fazendo umas represas de terra e de tudo o mais que às escuras ia amontoando. Devo dizer que passado algum tempo aquilo era para mim um verdadeiro achado, pois da cintura para cima estava mais ou menos protegido. Claro que havia sempre o risco de que uma ratazana, uma cobra ou qualquer outro "morador" daquele velho tronco me viesse fazer lembrar a quem pertencia aquele alojamento. Mas o que era isso comparado com aquele "bem estar" de que eu usufruía?

Uma ninharia que nem dava para nele se pensar.

Contudo, eu estava errado. Ali não havia só a hipótese de que pequenos animais, embora perigosos poderem reclamar o "território".

Havia também a possibilidade de outros mais corpulentos aparecerem.

E foi exactamente isso que sucedeu. De repente comecei a sentir um roçar e um empurrar de mansinho, que me levou a exclamar em voz baixa: -que raio de merda anda aqui!, este é o meu canto, porra! Foi então que aquela voz para mim muito conhecida me sussurrou: sou o Capitão Moutinho. Dá lá aí um jeito e mantém o rádio "em escuta".

E eu assim fiz.

Pela Madrugada, com o raiar da manhã a chuva parou e a operação foi reiniciada para o interior daquela Selva Virgem onde alguns amigos meus tudo deixaram.

Até a própria vida.

Daqui, com a minha oração vão dois desejos meus:

QUE NENHUM PORTUGUÊS DIGNO SE ESQUEÇA DOS QUE TOMBARAM, e que

DEUS OS TENHA NO SEU REINO.

Descansem Guerreiros Que Deus vos dê a paz que a guerra vos tirou.

Até breve amigos

F.Afonso

publicado por AALADOSNAMORADOS às 13:38
música: HOMENAGEM AOS QUE TOMBARAM NA GUERRA DO ULTRAMAR
sinto-me: COM O DEVER CUMPRIDO E TRISTE
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